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O nazismo como projeto de supremacia branca a nível planetário

O nazismo como projeto de supremacia branca a nível planetário

(por Domenico Losurdo)

O texto que se segue é um excerto de um ensaio do filósofo e historiador italiano Domenico Losurdo, intitulado “White supremacy e controrivoluzione. Stati Uniti, Russia bianca e Terzo Reich”, publicado pela primeira vez em 2008.

Agradecemos calorosamente Domenico Losurdo por ter aceite, tendo visto a publicação no nosso site. Agradecemos também o nosso amigo Valerio Starita pela tradução aos Indigènes de la République.

Entre as numerosas obras de Domenico recomendamos particularmente “Le révisionnisme en histoire. Problèmes et mythes”, Albin Michel, 2006, e mais recente, “Contre-Histoire du Libéralisme”, ed. La Découverte, 2013, que sublinha a ligação entre o liberalismo e a produção de raças sociais.

Para aqueles que não gostam muito de ler, aconselhamos um pequeno livro intitulado “Le péché originel du XXème siècle” ed. Aden, Bruxelles, 2007.

Mesmo Hitler, faz referência aos teóricos da supremacia branca, quando em 1928, ele exprime-se de forma bastante positiva sobre a “união americana”, que, “estimulada pelas doutrinas de alguns pesquisadores raciais, fixou critérios determinantes para a imigração”. É um exemplo em que é necessário tirar proveito: “ Introduzir na prática a política aplicada, os resultados já disponíveis na doutrina da raça, será um dever do movimento nacional-socialista”. Por outro lado, os ensinamentos vindos para lá do Atlântico são de igual modo preciosos no plano propriamente teórico; nós estamos perante “conhecimentos e resultados científicos”, de uma “doutrina da raça” geral que ilumina a “história mundial”. Eis uma chave preciosa, agora à nossa disposição para ler de maneira adequada, além das aparências, os conflitos políticos e sociais, não só do presente mas também do passado.

Convém prestar atenção à influência exercida por Stoddard sobre a reação alemã e sobre o nazismo. Nós vimos a grande consideração que lhe prometia, em particular Ratzel, Spengler e Rosenberg: mas trata-se igualmente de um autor louvado por dois presidentes dos Estados-Unidos (Warren Gamaliel Harding e Herbert Hoover). A interpretação de Warren Gamaliel Harding, em particular, dá o que refletir: “Qualquer um que aproveite para ler atentamente o livro de Lothrop Stoddard, Le Flot montante des peuples de couleur contre la suprématie mondiale des blancs (A crescente onda dos povos de cor contra a supremacia branca mundial), poderá reparar que o problema racial presente nos Estados Unidos não é nada mais que, o aspeto do conflito racial pela qual o mundo inteiro faz face”. Compreendemos então, o propósito reconhecido e até mesmo o entusiasmo do nazismo. Enquanto passava alguns meses na Alemanha, Stoddard encontra, não só os maiores “cientistas” da raça, mas também os maiores dirigentes do regime, nomeadamente, Himmler, Ribbentropp, Darré e Fürher em pessoa.

Mas tudo isto não nos deve espantar. O terceiro Reich apresenta-se como a tentativa, desenvolvida nas condições da guerra total e da guerra civil internacional, de se tornar um regime de supremacia branca a nível planetário e sob domínio alemão, recorrendo a medidas eugénicas, político-sociais e militares. Convém evitar – observa Rosenberg em 1927 – a confrontação suicida que teve lugar durante o primeiro conflito mundial:

“O programa pode assim ser sinteticamente formulado: O Império Britânico fica encarregue da proteção da raça branca em Africa, na India e na Austrália. A América do Norte fica encarregue da proteção da raça branca no continente americano. Por sua vez a Alemanha fica encarregue de toda a Europa Central com estreita colaboração da Itália, que obtém o controlo do Mediterrâneo Ocidental a fim de isolar a França e de vencer as tentativas francesas de conduzir a Africa Negra na luta contra a Europa Branca”.

Mas o que é essencial, é o Discurso de Hitler (citado acima) feito aos industriais alemães na véspera da tomada de posse. Na sua opinião a questão decisiva é clara: “ O futuro ou o crepúsculo da raça branca”. Para impedir as ameaças que pesavam sobre a “posição dominante da raça branca” convém reforçar a todos os níveis a sua “aptitude à dominação”. Por outro lado, é preciso identificar claramente o inimigo, sem perder de vista que é a nefasta agitação judaico-bolchevique que estimula, de um lado a revolta dos povos coloniais e por outro degrada a boa consciência dos brancos considerando-se detentores de um direito natural à dominação. É ela que promove a “confusão do pensamento branco europeu”, isto é, “o pensamento europeu e americano” e visa definitivamente a “destruir e eliminar a nossa existência enquanto raça branca”. A luta levada pela raça e a civilização branca contra os seus inimigos é a chave para a compreensão de todos os conflitos: A Espanha conquistada por Franco é uma Espanha caída “numa mão branca” e isto apesar das tropas coloniais marroquinas terem contribuído para a vitória.

Em vez de “brancos”, Hitler às vezes prefere falar de “nórdicos”, de “arianos”, quer dizer de “ocidentais”: “ O nosso povo e o nosso Estado também foram construídos fazendo valer o direito absoluto e a consciência senhorial deste homem, dito nórdico, de componentes raciais arianas que temos em nossa posse ainda hoje no seio do nosso povo”. Mas os termos em questão são usados como sinónimos entre os teóricos dos Estados-Unidos da white supremacy (Supremacia Branca). Fica claro que para Hitler, continuam excluídos do espaço sagrado da civilização os povos coloniais (incluindo os “indígenas” da Europa Oriental ou a Alemanha será chamada para construir o seu império continental), os bolcheviques e, naturalmente, os Judeus, estrangeiros de raça branca, ao Ocidente e à civilização por múltiplas razões: eles vêm do Médio-Oriente, estão concentrados no seio da Europa oriental, são os principais aspirantes da barbaridade bolchevique oriental e, ainda, fazem de tudo para alimentar o conflito entre os povos brancos e ocidentais.

À luz da traição de um país como a França contra a raça branca, é evidente que é um “dever, em particular, dos Estados germânicos” de bloquear o processo de “abastardamento”. Como é do nosso conhecimento, tendo evitado a contaminação racial sofrida pelos latinos, os Estados-Unidos obtiveram uma posição dominante no continente americano. Graças à coerência e ao radicalismo na luta para a supremacia branca e ariana a nível planetário a Alemanha está destinada a ter um papel hegemónico na Europa, estendendo-se, pelo mundo. A conclusão de Mein Kampf (A minha Luta-livro de Adolf Hitler) é eloquente: “Um Estado que, na época do envenenamento das raças, dedica-se à manutenção dos seus melhores elementos raciais, tornar-se-á necessariamente o patrão da terra”. A obstinação dos outros países germânicos a recusar em fazer frente ao Terceiro Reich contra à ameaça representada pela revolta dos povos coloniais e pela conspiração judaico-bolchevique não é apenas a expressão de uma cegueira politica mas também um abastardamento racial. No seu diário, Goebbels aponta: as elites inglesas “estão tão infetadas de judaísmo por causa dos casamentos judeus que na prática elas já não estão em condições de pensar de forma inglesa”. Aos olhos de Führer, o ministro inglês da guerra é um “judeu marroquino” e o “sangue judeu” corre nas veias de F. D. Roosevelt, cuja mulher tem um “aspeto negroide”.

Com o desenvolvimento da guerra contra os Estados-Unidos, estes começaram a ser descritos de forma semelhante àquela que os teóricos dos Estados-Unidos da white supremacy e o próprio Hitler haviam descrito a América Latina: A república norte-americana é doravante caracterizada como uma “ mistura do sangue judeu e negro”. Enquanto a derrota do Terceiro Reich decorre, o seu líder comportar-se-á até ao fim como campeão da white supremacy: Ele continua a pronunciar-se pela “dominação branca” e a celebrar a expansão dos “brancos” na América; infelizmente, o “americanismo” encontra-se agora “judaizado” e degenerado. A “desarianização” cujo Stoddard tinha falado sobre a América Latina está mobilizada para explicar a guerra que a república norte-americana leva contra um outro povo germânico e a aliança com o inimigo mortal da raça branca (a Rússia bolchevique e judaica).

Progressivamente, o nazismo encontra fontes de inspiração na linguagem (assim como nas instituições e nas práticas) dos Estados-Unidos da white supremacy. Não se trata somente do Untermensch e da Esbgesundheitslehre e do horror contra a Rassenmischung e a Rassenschande, ou Blutschande. O Terceiro Reich priva os judeus de cidadania politica: assim como a América estava reservada aos brancos, a Alemanha era doravante o país dos arianos. Aqueles que se encontravam contaminados pelo sangue judeu eram considerados “mulatos” (Mischlinge), assim como são “mulatos” (Mischlinge) nos Estados-Unidos aqueles que supomos ter a mínima gota de sangue negra nas veias. Por isso, quando durante algum tempo os dirigentes nazis passaram a introduzir a segregação racial nos comboios contra os judeus, é evidente que as medidas analógicas antecedentes aplicadas nos Estados-Unidos (e na Africa do Sul) contra os negros têm um papel não negligenciável.

Hitler não perde de vista o destino reservado aos Índios. No seu tempo, Ratzel, havia observado: “ Mal localizada, a reserva funciona como uma prisão, ou até pior, uma vez que nem sequer garante a sobrevivência/existência”; “ os Índios são forçados a permanecer nas suas terras áridas e estéreis, e estão proibidos de procurar melhores condições noutro lado”. Segundo Hitler são os polacos os indígenas da Europa Oriental que devem ser fechados numa “reserva” ou ainda num grande “campo de trabalho”. Concretamente, Hans Frank, que dirige o “governo-geral” (os territórios polacos, não foram diretamente incorporados no Reich), declara que os Polacos são chamados para viver “numa espécie de reserva”: eles estão “submetidos à jurisdição alemã” sem serem “cidadãos alemães” (isto é o mesmo tratamento que estava reservado aos de pele-vermelha).

Se os Polacos e os habitantes da Europa Oriental forem chamados para serem expropriados, deportados ou dizimados, os Índios estão na mesma situação, os sobreviventes, destinados a alimentar o trabalho servil ou semi-servil, são os Negros: Não é permitido aos Alemães “misturarem-se a nível sanguíneo” com uma raça servil/escrava.

Um destino ainda mais trágico aguarda os Judeus. Estes – como havia observado Stoddard – ocupam uma posição elevada “ no “corpo dos oficiais” da revolta” bolchevique e colonial. É a logica que guia o Terceiro Reich na “solução final”. É interessante reparar que esta expressão surge nos Estados-Unidos nos séculos XIX e XX, nos livros, que de forma vaga e sem a coerência genocida de Hitler, invocam a “solução final e completa” do problema respetivamente dos “povos inferiores” e em particular dos Negros.

No início do século XX, nos anos que precedem a formação do movimento nazi na Alemanha, a ideologia dominante do Sul dos Estados-Unidos exprime-se aquando dos “Jubileus da supremacia branca”, que viam desfilar os homens armados e em uniforme, inspirados por uma “profissão de fé racial”, assim formulada:

“ 1) “É o sangue que contará”; 2) a raça branca deve dominar; 3) os povos teutónicos declaram-se a favor da pureza das raças; 4) o negro é um ser inferior e assim ficará; 5) “este é um país do homem branco”; 6) nenhuma igualdade social; 7) nenhuma igualdade politica (…); 10) Incutam ao negro esta instrução profissional que lhe permitirá servir ao máximo o branco (…); 11) que o homem branco com menos condições seja superior ao negro com mais condições; 12) as declarações precedentes indicam as diretivas da Providencia”.

Aqueles que professam este catecismo são homens que procuram afirmar-se na teoria e na prática a absoluta “superioridade ariana” e estão prontos a “mandar para o inferno” a Constituição para poder impedir a “ameaça nacional triste, infeliz” que representam os Negros. Sim – observem as vozes críticas isoladas – aterrorizados como eles são, “ os Negros não fazem mal” a ninguém e de todas as maneiras o bando de racistas estão prontos a “matá-los e apaga-los da face da terra”; eles estão decididos a instaurar “uma autocracia absolutista da raça”, com a “identificação estrita da raça mais forte com a exigência do Estado”.

Compreendemos então que, depois de ter sublinhado os pontos comuns entre o Ku Klux Klan e o movimento nazi (entre os homens em uniforme branco do Sul dos Estados-Unidos e os “camisa-castanha” alemães), uma pesquisadora estado-unidense contemporânea considera que podemos chegar a esta conclusão: “ Se a Grande depressão não tivesse batido a Alemanha com toda a força, o nacional-socialismo poderia ser tratado como tratavam o Ku Klux Klan: como uma curiosidade histórica, cujo destino já estava selado”. Assim, antes a história ideológica e política (muito semelhante nos dois países), o que explica o fracasso da instauração da “autarquia absolutista da raça” nos Estados-Unidos e o triunfo da ditadura de Hitler na Alemanha seria a diversidade da situação objetiva e a diferença do impacto da crise económica. É provável que esta afirmação seja excessiva. No entanto, os termos de troca e de colaboração continuam fortes, à imagem do racismo anti-negro e anti-judeu, que se estabelece desde os anos 1920 entre o Ku Klux Klan e os círculos alemães da extrema-direita. Podemos mesmo questionar se, para compreender a realidade do Terceiro Reich, a categoria da “autocracia absolutista da raça” não será mais precisa que a do “totalitarismo”. Iniciada no Sul dos Estados-Unidos e desenvolvida mais tarde a partir da luta contra um país, a Rússia Soviética que, como diz Stoddard, tinha visto no seio da sua ascensão ao poder dos “renegados/traidores” da raça branca, ou ainda, como diz Spengler, que tinha deitado fora a “mascara branca” e fazia parte do “povo de cor da terra”, a contrarrevolução desencadeada em nome da white supremacy leva finalmente ao nazismo.

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